O OUTRO LADO DA NOITE
O Outro Lado da Noite, dos Filhos de Platão, tece com sensibilidade um variado naipe de instrumentações e texturas sonoras que dão a este trabalho um caráter elusivo, escorregadio. Em certos momentos predomina uma “pegada” pop, quase rock, mas ela logo se desdobra com uma soltura rítmica tipicamente de MPB. Em outros instantes, sentimos a presença de uma cadência suave que nos lembraria a Bossa Nova, se não tivesse a letra, uma certa gravidade, um viés introspectivo que foge ao modelo desse gênero.
Para que servem os gêneros musicais, afinal, se não for para dar ao ouvinte (e ao compositor) a chance de futuramente encontrar, de maneira espontânea, quase repentina, uma flexibilidade melódica qualquer, uma
expressão rítmica inesperada mas, adequada ao que ele quer exprimir naquele momento? Não um conjunto de fórmulas a serem obedecidas, mas um banco de dados a que se pode recorrer na hora do aperto criativo. O ouvido treinado em diferentes sonoridades aprende a reproduzi-las e as armazena no inconsciente, para que, no instante de
compor, a melodia não brote orientada pela convenção de um gênero, mas pelo próprio desenho interno da emoção que quer se expandir e se expressar.
Release por Braulio Tavares
As canções dos Filhos de Platão se cruzam desse modo, hora com uma evocando harmonias e notas pressentidas em outras, mas arrastando-as numa nova direção, porque é outra a letra, é outra a história que está sendo evocada, é outra a resposta musical que costura a memória passada por cima do momento presente.
Assim se entrelaçam texturas de guitarras estridentes e violões cadenciados, que remetem para uma sonoridade de balada pop, mas uma ou outra vez essa sonoridade vem a serviço de versos questionadores que omero pop não comportaria. Nesse choque de recursos expressivos, se exprime o choque do muito sentir e do muito querer dizer, o choque (sempre necessário para a verdadeira criação) entre o nosso repertório afetivo de músicas e de “levadas” e o tumulto íntimo de sentimentos nossos que, sendo somente nossos, nunca encontraram, até agora,uma expressão que os revelasse por inteiro até para nós mesmos.
Parece ser desse modo que brota, por exemplo, a melodia tensa, quase angustiada de “Tirar você de mim”. Palavras e notas remam lado a lado num trajeto sinuoso, costuradas por um violino cujas idas e vindas não asdeixam ter repouso, impelindo-as para a frente, como se lhe coubesse responder as questões contidas na letra. Ou por exemplo o batuque frenético, cadenciado, quase brutal de “Lendas e Verdades”, que visto do lado de fora poderia ser descrito como “caribenho” ou “chicano”, mas que não é a aplicação de uma fórmula, e sim a conjugação entre sensualidade da letra e uma música fundada na reiteração em espiral de um movimento que nãocessa, apenas finge uma pausa e recomeça sem trajeto, agulhado por uma guitarra dolorosa em que mente e corpose fundem numa só sensação.
Os Filhos de Platão nesse trabalho tem sua formação composta por Mali Steling no baixo, Kesso Fernandes na bateria, Artur Eliachar nos vocais, e Edu A. nos violões e vocal, este assinando ainda todas as músicas do Cd,bem como co-produzindo parte dos arranjos. A co-produção musical e arranjos também cabe a Juan Pablo Martinque toca os solos das guitarras, em nove das dez faixas do CD .
O trabalho conta ainda com participações especiais nas vozes de Anna Clara Valente na faixa “Tudo Ilusão”, de Nai Dias nos vocais em “Tirar Você de Mim”, além do lindo piano de Camilla Dias, em “Tudo Ilusão” eda voz da roqueira Ana Élle, em “Próximo Chamado. Arnaldo Brandão, conhecido pela banda “A Bolha” nos anos 60 e 70, e “Hanói Hanói” nos anos 80, e autorde clássicos como “Rádio Blá”, “O Tempo Não Para”, e “Totalmente Demais” assume as letras e os vocais nafaixa “Amor Sem Lei”, uma das poucas parcerias ocorridas no CD.
O trabalho conta ainda com a participação especial de Ary Dias (da Cor do Som), que empresta seu virtuosismo, na percussão da faixa “Lendas e Verdades”, e por último o aval do escritor e poeta Ferreira Gullar,que em 2010, ao completar 80 anos de idade, deu o consentimento para ter musicado nesse trabalho, um de seusmais famosos poemas “Cantiga Para Não Morrer”, na segunda e última parceria ocorrida no CD.